segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

LEMBRANÇAS DE OUTRORA

Personagens:
Maria de Lourdes da Costa, idosa de mais de 80 anos, de cabelos grisalhos, vestido típico de senhorinha do interior, de tecido leve, florido, mangas curtas e dois bolsos na frente.
Narrador
Figurantes
 
CENA 1: poema de introdução
A cena se inicia com o poema a seguir. Ele será ouvido por todos, narrado por uma voz em off, enquanto isso serão projetadas, fotos do lugar antes da inundação.
 
Uma mudança definitiva 
dolorida 
cansada 
cheia de saudades 
lotada de recordações 
teimosa de se realizar 
em cada gesto que podia ser o simples e último corte cabelo dali 
o dormir sobre o pano verde do cassino 
que já não mantinha mais seus jogadores 
as conversas das calçadas 
o desmontar das casas abandonadas 
a solidão de ruas e becos 
o arrumar dos caminhões de mudanças 
tudo, tudo enfim
era o exercício doloroso 
de saber que nunca mais vai se voltar ali
porque o ali nunca mais vai existir.

CENA 2:

Passagens de atores pelo palco, como se fosse a rua, de crianças brincando, vizinhos conversando, pessoas passando para ir à mercearia, crianças indo à escola...
Nesse entremeio, entra em cena Maria de Lourdes da Costa com um caminhar lento, apoiado em uma bengala que lhe ajuda na locomoção. Sai de dentro de casa em direção a calçada, onde se encontra uma cadeira de balanço à sua espera como é de costume nas tardes daquele lugar.

NARRADOR: É sempre no mesmo horário, por volta das 15h, pois essa é a hora de ir à padaria comprar o pão, para a merenda da tarde. Quem passa em frente às casas nesse horário sente o cheiro do café novinho que está sendo feito. Como de costume, Dona Maria senta-se e espera que tragam sua merenda. Depois que acaba o café, ela pega o pacote de fumo e começa a mascar. Costume antigo, que não faz bem a sua saúde, mas ela diz que é muito tarde para parar agora. 

Narrador atravessa o palco

Contudo, sua permanência na frente de casa, todos os dias, faz-lhe bem porque não falta gente para conversar. Uma pessoa passa e pergunta como anda a vida. Outro fala de algum caso ocorrido consigo. Ainda outro, fofoca de algo ocorrido com a filha de alguém e assim, a doce senhora vai se situando da vida daquele lugar. Lugar que ela não reconhece como seu. O costume diário vem de longe, tanto dos anos vividos, como do lugar ao qual outrora pertenceu, mas, atualmente, não pertence mais. E é nesse clima de recordação que a todo instante, nas conversas que vão e vem, ela narra suas histórias sobre o lugar que habita seu coração e dilacera o seu ser, por saber que nele nunca mais pisará. 
 
Maria de Lourdes da Costa: -Eu nasci em Jaguaribara, muito antes dela receber esse nome. Antes conhecida como Santa Rosa, distrito do município de Frade, posteriormente denominado de Jaguaretama. Já com seu nome atual, em 1957 foi promovido a município. Eu contava 37 anos. Parte da minha família tomou para si aquelas terras como lugar de fixar raízes: Bisavós, avós e pais. Enquanto os outros nasceram ali: irmão, filhos, netos e bisnetos. Percorri um caminho, escrevi minha história, os passos de uma vida toda, para chegar ao fim da vida e ser arrancada de minha casa, da terra que desde sempre proveu meu sustento, não sem lutar, lutar até a morte. Fiz o que pude, mas quem dá ouvidos a uma velha histérica que só queria que os outros entendessem que ali não era só uma cidade, mas o lugar em que nasci, cresci, sonhei, casei e pari. Foi onde enterrei meus mortos, fiz os rituais fúnebres, que casei meus filhos e fiz nascer meus netos. Aí um infeliz da costa oca vem lá dos cafundós do Judas tirar o que é nosso, nosso sossego, nossa paz. Não tinha como aceitar calada.

NARRADOR: Assim, Dona Maria vai emendando as lembranças em narrativas que vai contando a quem chega e se faz demorar um pouco. Muitos vem sentar-se junto dela justamente para ouvi-la, pois seu saudosismo é contagiante e através de suas memórias, os outros podiam também chorar suas tristezas.

Maria de Lourdes da Costa: Jaguaribara, nome indígena que significa Moradores do Rio das Onças, lugar de cabra macho e mulheres ferozes, trabalhadoras e decididas. A minha cidade foi palco do maior embate ocorrido no Ceará, entre as tropas imperiais e os componentes da Confederação do Equador que lutaram por um Nordeste independente. Por ocasião deste embate, realizado as margens do Rio Jaguaribe, resultou na captura e assassinato de Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, Presidente da Confederação do Estado do Ceará. Anos depois, levantaram um monumento para ele, no lugar do seu último leito. Isso é só mais uma prova de que ser cearense é padecer sobre a terra e ser jaguaribarense é matar um leão por dia.

(Pausa)

A minha família fez pouso nesse lugar sem um tostão no bolso, sem ter o que comer e nem beber. Vinham de longe, buscando um lugar para se fixar, quando chegaram a Jaguaribara ainda no século XIX. meus avós estavam atrás de trabalho em troca de comida com uma reca de filhos, entre eles minha mãe, a caçula das mulheres. Eram 13 irmãos, depois dela ainda tinha dois meninos macho. E ali encontraram uma alma caridosa que deu trabalho e abrigo para todos. 
O trabalho era de Sol a Sol, por longos anos a fio, até que um dia o dono da terra cedeu um pedacinho dela para meu avô que pagaria com parte da produção da colheita. E tudo começou a prosperar. E aquela terra passou a ter um significado muito caro para nós, pois era nossa casa, nosso sustento e o símbolo maior de luta e suor.
 
A vida seguiu seu curso.
 
E enquanto ela vai narrando sua história, os meninos que brincam na rua, gritam e fazem maior  algazarra, são censurados por quem está a ouvir as histórias e manda que eles calem a boca e chamam os meninos para ouvir também, pois eles eram desse lugar de outrora não desse chão que estão pisando agora. 
 
Maria de Lourdes da Costa: - Um homem sem passado é um homem sem história, sem vida, sem eira nem beira.
Nem sempre foram flores. Por volta de 1930 aconteceu algo muito grave no estrangeiro, alguma coisa caiu, não me recordo agora, mas vi muitos fazendeiros ricos perderem tudo, alguns até se mataram por não poder pagar suas dívidas, porque homem de palavra não precisa de uma assinatura para quitar suas dívidas, a palavra dada, basta. E por conta desse acontecimento, os filhos do dono da terra que era de minha família disse que teríamos que sair. Meus tios, junto com meu avô disseram que não sairíamos. Eu os via sempre armados, mas como era criança não entendia que tudo aquilo era em defesa do nosso lar, nunca esqueci da cena do meu avô armado dizendo que só sairia dali morto. Foi nesse momento que entendi o valor que aquelas terras tinham para nós.

(Pausa)

- Por vezes, ouvi disparos, mas ninguém morreu e como viram que só sairíamos dali mortos, a contra gosto, deram o caso por encerrado. Depois disso, conseguimos comprar mais umas terrinhas, visto que a família só crescia e minha mãe queria que ficássemos sempre juntos. Ela dizia que não nasceu em Jaguaribara, mas a amava tanto que era onde queria enterrar seu coração, para nunca mais sair dali. Se viva fosse, teria morrido de desgosto.
 
E na continuidade da narrativa, Dona Maria perde-se em suas lembranças e não percebe que seu público ouvinte agora já é outro.
 
Maria de Lourdes da Costa: - Cresci com esse sentimento de luta em defesa do que é meu, do que eu acredito e acima de tudo do que é certo, pois justiça seja feita, a vida nunca foi fácil e naquele pedaço de chão está o suor, a dor e as lágrimas da nossa família. Por outro lado, fomos muito felizes. Quantos casamentos, amores, nascimentos, batizados. Eram festas para muitos dias. Nossa história está entranhada nas veias daquela terra que já não conseguimos mais ver, mas reconhece nossa presença.

(Pausa)

- Um dia, um dos meus irmãos foi acusado de ter feito mal a uma moça. Ela jurou de pé junto que tinha sido ele. E ele por outro lado, dizia que não tinha feio nada de errado. Foi surrado pela população e preso. Não aguentou a humilhação de ver sua vida sendo ceifada por uma mentira. Enforcou-se na cadeia. E o padre, quando chamado para encomendar a alma dele, falou que não poderia fazer isso, porque ele havia tirado a própria vida. As mulheres da nossa família eram muito devotas e frequentávamos a igreja assiduamente, sempre participávamos de tudo, éramos liderança.  Diante da recusa, puxei o coro, se o padre não fizesse tudo como manda o figurino não contaria mais com a nossa ajuda e para além disso, teria em nós inimigas mortais, e isso não seria um bom negócio.  O pároco ainda quis argumentar, mas não aguentou pressão e cedeu. Passado a missa de sétimo dia, a moça confessou que tudo não passara de uma mentira. 
- Meu irmão era um homem muito vistoso, inteligente, amoroso, nunca vou esquecê-lo. 

(Pausa)

- Uma vida longa te permite ter histórias para dar, vender e trocar. Mas foi no ano de 1985, que a pior delas começou a ser escrita. Com a chegada das notícias que vinham de mansinho, o tempo começou a mudar, os ânimos a se alterar e meus olhos a nublar. Eu sabia que era grave, mas nunca imaginei que morreria em vida, que teria que deixar para traz o néctar da minha existência.
 
NARRADOR: A essa altura, Dona Maria já se encontrava com os olhos encharcados, pois os olhos dela nunca secaram desde a mudança, mas quando rememorava suas raízes, o choro era inevitável.
 
Maria de Lourdes da Costa:- As notícias eram cada vez mais assustadoras. Eles faziam parecer que a mudança seria benéfica, mas não para quem ama o lugar onde habita e traz marcado no corpo como gado as histórias dos seus.  
 
NARRADOR: Ao fundo, escutamos algo como se fosse um carro de som anunciando as boas novas. Água, muita água está a caminho. Não sofreremos mais com a seca. Mas para tudo a um preço e o nosso é deixar nossa terra, nossas casas e mudar para uma cidade melhor, planejada, onde a vida será mais feliz. Não se preocupe que isso ainda leva tempo e até lá, sigamos com os nossos afazeres diários. Por hora, temos que saber que o governo vai construir aqui em Jaguaribara o reservatório hídrico do Brasil. Pensemos que essa mudança é para um bem maior.
 
Maria de Lourdes da Costa: - Era isso que eles queriam que acreditássemos. A cidade ficou em polvorosa. Opiniões divididas, ninguém sabia ao certo o que ia acontecer.
 
NARRADOR: Fiquem sabendo caros ouvinte, que moraremos na primeira cidade planejada do Ceará, a nova Jaguaribara, tudo será parecido com aqui, visto que a nova sede conta com réplicas da antiga sede, sendo elas: a igreja matriz e ainda a igreja do Poço Comprido, antigo distrito do município.
 
Maria de Lourdes da Costa: - Réplica, não é a verdadeira. Muitos se deslumbraram com o que ouviam e se venderam por algo que de fato só existia na voz do homem do rádio.
 
NARRADOR: O Governo do Estado está conduzindo a implantação da Barragem do Castanhão de modo a assegurar a justa compensação a todos os atingidos e, adicionalmente, a criar as condições para a participação destes nas oportunidades de negócios e progresso decorrentes do empreendimento.
 
Maria de Lourdes da Costa: Tudo enganação. A ajuda veio no início, mas com o passar do tempo, foram nos esquecendo. E até da pesca que vivíamos, ficou mais difícil, pois o rio ficou mais distante. Quem ousa dizer que estou mentindo? Foram 16 anos de tensão, de sofrimento, brigas e lamentos. Fiz o que podia, repudiei, briguei, lutei, tentei convencer a população de que não poderíamos permitir que nos tirássemos dali, mas já estavam todos ludibriados, nada do que eu dissesse adiantaria, aos poucos fui me tornando voto vencido, até quem me apoiava no começo, soltou minha mão. Fiquei só, com minhas dores e lembranças. E esse martírio durou 16 anos. Então comecei a rogar a Deus, todos os dias, que me levasse antes da triste partida, queria permanecer onde nasci, onde me criei. Mas era sina chega até aqui para desfiar o cancioneiro através dos meus lamentos.
 
NARRADOR: Notícias urgentes. Hoje, o planeta amanhece de luto. Aconteceu agora a pouco nos Estados Unidos da América. Dois aviões atingiram dois prédios enormes, matando cerca de 3mil pessoas. Dizem que foi um ato terrorista. Continuem com a gente, que iremos atualizando os fatos.
 
Maria de Lourdes da Costa: Aquilo foi só um aviso, que mais coisas ruins estavam por acontecer. Desde que esse povo começou a escacaviar, a medir e a xeretar, eu sabia que não viria algo de bom. Meu neto, que gosta muito dessas caixas que tem um ratinho, falou para mim antes da virada do século, que ia acontecer uma coisa que faria a gente voltar para traz em vez de ir para frente. Ele disse que voltaríamos lá para 1901, isso não é Deus, como a gente ia voltar par um ano que eu nem tinha nascido? Eu sabia que era o sinal da besta fera, avisando que esse novo ciclo seria terrível. E olha aí, nem dois anos depois o que acontece? E se não bastava tanto sofrimento. Por aqueles dias, eu teria minhas entranhas transpassadas por um punhal.
 
NARRADOR: É exatamente hoje, 25 de setembro de 2001 que os moradores da velha Jaguaribara passarão a residir na nova Jaguaribara, serão mais 11 mil pessoas realocadas. E o que parecia apenas um sonho, hoje é algo real. Em pleno sertão cearense, sob um sol de 40º graus, e cercado de Caatingas, nasce a primeira cidade totalmente projetada do Estado do Ceará.
 
Maria de Lourdes da Costa: E foi assim que viemos parar aqui, contra a minha vontade. Com o tempo fui perdendo o ânimo, os anos foram passando e as forças para lutar foram se esvaindo. Agora só me resta recordar e contar, meus causos para não esquecer e não deixar morrer o lugar que acolheu minha família e me viu nascer, crescer e aprender a lutar, lutar pelos meus ideais e por justiça para mim e para quem precisasse. Com a graça da velhice, vi o sertão virar mar e todos aqueles que amei afundar nas águas do Castanhão, que prometeu suprir a falta de água e a seca que sempre assolou nosso sertão. E mesmo não acreditando nisso, tenho fé que tudo há de dar certo e que no fim nossa mudança não tenha sido em vão. Porém, só o tempo dirá quem tem razão, mas para saber será preciso viver e esperar, coisa que não quero fazer, porque sei que será um segundo desgosto que terei. Sai de minha casa por uma causa justa, como o rádio vivi a noticiar, mas só Deus e a virgem Maria sabem como essa história vai acabar...     
A luz vai fechando na protagonista, enquanto o poema começa a ser lido. Depois são mostradas imagens da água invadindo a cidade.
 
CENA 3: Poema de conclusão 

pensar rubrica

E as lágrimas que rolam em sua face começam a cessar
e sua voz cada vez mais longínqua a escutar.
É como se ela estivesse vendo a água a inundar
a cidade que outrora foi seu lar
Vem arrastando tudo que encontra pela frente
invadindo ruas, casas e praças
deixando submersa a história de tanta gente.
E é com esse saudosismo
que Dona Maria deixa a gente
e volta a viver no lugar em que nasceu
e que a contra gosto deixou para traz
mais repetindo sempre
 que em Jaguaribara seria sua última morada
e seu pedido foi atendido
Para lá retornou
depois do último suspiro.
 
CENA 4: Notícias futuras 

Ouve-se o áudio de uma notícia verídica: “Com a seca no Ceará, ruínas de cidade submersa reaparecem”. (G1 Ceará)

Escrita por Maria Cláudia Costa

A ROSA

PERSONAGENS: 
Rosa 
Catarina 
João
Luís
Tio
Narrador
 
 
Narrador: 
            Nas matas virgens do sertão do Ceará, em meio a vegetação densa, lugar de casas escassas, habitava a família de Rosa, mulher jovem e linda, de ar enigmático e postura cigana. 
            Vivia com as tias, a avó, o tio e o primo, por quem era apaixonada e tinha esse amor retribuído.
            Primos amantes, não eram vistos com bons olhos pela família.
O tempo passou…
O medo de se perderem chegou, junto ao medo de contrariar a família, este foi o motivo principal para que seu amado partisse para a cidade grande com o pretexto de estudar.
            Rosa, ao saber do acontecido caiu em desespero e de tanto chorar fez o sertão virar mar.
           
Alguém bate à porta do quarto de Rosa.
 
Catarina: Rosa, mulher, abre aqui, quero te falar.
Rosa: Estou triste, não quero ver ninguém.
Catarina: Você está sabendo do Arraiá que terá na praça da matriz? Todo mundo estará lá. Inclusive João, que voltou de viagem, mais lindo que nunca.
Rosa: Não tenho vontade de sair, desde a partida de Luís, que meus dias e noites são iguais.
João: Meninas, vocês estão aí? Estão convocando todos que quiserem dançar na quadrilha Dona Raimunda. Vocês não vão?
Catarina: Estou aqui para convencer Rosa de ir, mas não sei se conseguirei.
João: Rosa, afaste-se de tudo isso que te deixa triste.
Catarina: João, há quanto tempo? Como você está? Sei que acabara de chegar de viagem. Para onde foi mesmo? Acho que esse lugar lhe fez muito bem.
João: Passei um tempo no litoral. Rosa, minha querida, mal cheguei e logo soube do acontecido, então vim logo te ver. Abre a porta.
 
Narrador: 
Então Rosa sai do quarto e vão para a varanda.
 
Rosa: Não sabia que você tinha voltado, mas fico feliz em rever-te.
João: Também senti saudades. Queria reunir nossa turma novamente.
Catarina: Tenho certeza que você veio cortejar Rosa.
João: Não coloque palavras na minha boca.
Catarina: É a mesma coisa, as palavras me atrapalham.
Rosa: Vocês falam demais. Vamos logo ver essa quadrilha.
 
Narrador: 
            Então os três saem em direção a praça da matriz e se inscrevem na quadrilha.
            O tempo continua a passar e nesse entremeio os ensaios acontecem, mas nada consegue animar Rosa.
            O grande dia chega, e todos já estavam preparados esperando a música tocar para entrarem na quadra e começarem a dançar.
            A quadrilha é o símbolo de agradecimento ao sagrado pelo alimento cultivado e colhido, pois isso é composta de música, dança e improviso e traz em sua dramaturgia maior, o casamento na roça da filha do homem valente com o medroso apaixonado, que em um ato insano ousou desonrar a jovem donzela. 
            A música começa a tocar e o puxador os passos a narrar: anavantu, anarriê. E lá pelas tantas para finalizar, a quadrilha vai a frente puxando dois cordões, um de um lado e um do outro, para que pelo meio os noivos pudessem passar. De um lado veio Rosa, vestida toda de branco enfrentando o preconceito de estar grávida sem casar e do outro João que veio fazer a reparação, mas na hora de dar as mãos para a surpresa de todos, surge Luís, que mesmo em meio a ficção, contrariando a família, voltou para viver feliz ao lado do seu grande amor.
            Contudo, na hora do sim, o tio de Rosa, do meio do público, grita em alto e bom tom: “A família não aceita esse casamento. Pare já esse sacrilégio, se não os dois não serão mais bem vindos a nossa casa. Falo por todos. E tenho dito.” 
 
João: Cala boca infeliz da costa oca, se tu não é feliz, deixa em paz quem quer ser. Vai catar coquinho no pé da serra.
Catarina: Continua seu padre, que o casamento está bonito demais.
 
Narrador: E assim o casamento se realizou e os noivos saíram da quadra direto para Fortaleza para começar uma nova vida longe daquele lugar. Se serão felizes ou não, só o tempo dirá.

Escrita por Maria Cláudia Costa

POEMA O SER

Presente ou passado, um instante já
Descrevi o momento do sentimento
Escrito na carta de lamento
Onde reconto meus pensamentos.
 
Na esfera das dimensões
Envolvo seis partes que define o meu ser
Entretanto, uma delas uso a todo instante
Para representar a arte que desejo conceber
 
Física, intelectual,
afetiva, social e espiritual
Contudo, a que estou usando
para expressar o que sinto agora, é a emocional
 
Com palavras é mais fácil dizer o que se senti
mas a pintura expressa mais claramente
o que o inconsciente esconde a todo custo
o consciente revela prontamente
 
Pinturas, palavras, silabas desconexas
servem apenas para mostrar
que o sentimento pode assumir
o que o corpo que moldar
 
Curioso de si mesmo
mostra-se atraente e pessoal
o pensamento que uiva como o vento
a ponto de não poder mais resguardá-lo um só momento.
 
o sentimento que transcende o pensamento
revela a nudez transversal da linguagem mais intensa
seja através da imagem ou da escrita
no final, o que importa é a arte concebida
 
seja como for
a arte é minha alternativa
para quando eu virar cinzas
renascer como fonte de Água viva.

Escrita por Maria Cláudia Costa

terça-feira, 5 de outubro de 2021

D. MARIA VICENTE DA COSTA

D. Maria Vicente da Costa, esposa, mãe e avó, mulher que desde cedo já estava nas batalhas da vida, nascida em Itapipoca interior do Ceará, primeira de muitos irmãos, ainda pequena precisou trabalhar para ajudar no sustento da casa e como sertaneja forte e guerreira traz na sua história de 74 anos muitas dores e alegrias, além de muitos aprendizados que obteve através de suas vivências.
Itapipoca interior do Ceará, primeira de muitos irmãos, ainda pequena precisou trabalhar para ajudar no sustento da casa e como sertaneja forte e guerreira traz na sua história de 74 anos muitas dores e alegrias, além de muitos aprendizados que obteve através de suas vivências.

vinda para Fortaleza ainda adolescente, foi trabalhar em casa de família, lavar, passar e cozinha. E para além dos serviços domésticos aprendeu a costurar e trabalhou nesse ofício por décadas. Dessa forma, dividia-se entre a casa das patroas e a costura.

No ano de 1991 passou a residir em Pacatuba, onde as costuras não foram mais possíveis, então, D. Maria não se intimidou e deu continuidade a tudo que aprendera até ali.

A pedido de uma vizinha, começou a fazer lanches, todos os dias, para que a mesma levasse para vender no centro de Fortaleza, ela fazia tapioca, cuscuz, bolo de milho, bolo mole, bolo de chocolate, pamonha e canjica. E na continuidade foram aparecendo mais clientes e D. Maria foi aumentando suas vendas e variando os quitutes. Na sequência abriu um pequeno comércio na área de casa e, também, passou a vender por encomendas.

Atualmente, ela segue cozinhando seu culinária tradicional e aqueles que provam e aprovam, voltam. Mas não é só isso, para tornar reconhecida sua história de vida e seus fazeres e saberes, suas filhas estão produzindo materiais fotográficos e audiovisuais para mostrar todo o talento dessa mulher cearense que nunca desistiu de buscar seu lugar ao Sol e de apresentar ao mundo essa arte que é tão rica, linda e deliciosa: a gastronomia cearense.



Segue no instagram: @mariavicentedacosta
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quarta-feira, 29 de setembro de 2021

A VELHA DA GRUTA

Era Uma Vez no Alto da Serra,
no município de Curral Velho,
havia uma linda cachoeira,
onde a água que desabava era límpida e bem geladinha.
 
Reza a lenda que ela ficava no meio da mata fechada
e para chegar lá, era preciso muito andar 
e mesmo assim, nem sempre conseguiam encontrar.
 
Por trás da Cachoeira, havia uma entrada para uma gruta,
onde vivia uma velha baixinha,
com um ar arrepilante
de cara enrugada,
cabelos grisalhos,
que andava com um vestido rasgado
e muito sujo de tanto no chão arrastar,
segurando um cajado.
 
Diziam que essa velha levava para lá
as crianças que eram danadas, mentiam,
arengavam e desobedeciam aos pais.
Então sempre que uma criança fazia algo desse tipo,
sua mãe dizia:
continua que a velha da gruta vem te buscar.
 
Num instantin, os meninos se comportavam,
pois morriam de medo.
Entretanto, alguns se achavam mais valentes e diziam:
deixa ela vir, para ver o que que eu faço.
 
As histórias eram conhecidas de todos
que nasceram, cresceram e habitavam por aquelas bandas.
E o medo era tão grande
que ninguém entrava na mata depois do nascer da Lua,
pois corria o risco de se perder
 e não encontrar mais a saída.
 
Muitos iam caçar e pescar,
mas quando o Sol estava se pondo
rapidinho voltavam para casa.
Pois diziam que no meio da noite,
ela perambulava pelo Mato,
pegando os desavisados que por lá andavam.
 
Todo dia no cair da tarde,
no terreiro de casa,
a meninada se reunia para brincar.
E  todos os dias, era uma brincadeira diferente:
soltar raia, brincar de pega-pega, de esconde-esconde,
de bila, cantar cantigas de roda e muitas outras.
 
Até que numa quinta-feira de Lua cheia,
tão cheia que clareou o céu
iluminando toda a mata,
espelhando a própria Lua no chão
as crianças acharam aquela imagem tão bonita
que resolveram sentar-se dentro dela para brincar.  
 
Em dias como esse,
a velha da Gruta secava a cachoeira
e fechava a entrada da gruta,
preparando-a para receber novos prisioneiros.
Por isso, ninguém tomava banho lá,
Pois tinha medo de ser puxado pelo pé
e nunca mais voltar.
 
O medo era tanto
que até os adultos que cresceram naquele lugar
escutando essas histórias
não arriscavam ir até lá.
 
Mas menino,
você sabe que é pior que o cão,
é metido a Valente
e quando desafiado sai de baixo,
ele perde a noção.
 
E nesse dia, a brincadeira não foi pião,
nem macaca, nem carimba,
foi a vez do jogo verdade ou desafio.
E para quem não sabe como é
eu vou contar,
faz-se uma grande roda,
no meio coloca uma garrafa ou uma chinela
gira
e para quem o bico da garrafa ou cabresto da chinela apontar
é aquele que vai responder à pergunta
ou desafio aceitar,
só não valia mentir,
pois se mentisse já sabia o que aconteceria
a velha da gruta vinha buscar.
 
Lá para as bandas da Pedreira,
havia um menino que só sabia mentir
desobedecia a mãe e
vivia desrespeitando os mais velhos.
Um dia, ele saiu para caçar na mata
e dele nunca mais se ouviu falar.
 
Entre uma pergunta e outra
Preferiam revelar a verdade,
em vez de aceitar o combate,
pois escolher o desafio,
poderia se tornar um desastre
pois menino não perdoa
cutuca a ferida do outro
rindo à toa,
 
E mais uma vez a garrafa girou
e de frente ao Zezinho seu gargalo parou
e perguntado a ele: - verdade ou desafio?
verdade ele bradou.
 
Pois bem,
dizem por aí que um dia caçando na mata
você viu a velha da gruta e ficou com tanto medo
que se mijou todinho e saiu correndo.
 
com tanta raiva Zezinho ficou
que de um pulo levantou e gritou
para quem quisesse ouvir: -
Não é de sua conta infeliz da costa oca,
de mim essa resposta nunca terá,
então o desafio vou aceitar
seja ele qual for
porque cabra macho que nem eu,
aprendi com meu pai,
que homem não chora
e que palavra dada jamais atrás é voltada.
 
Então Cicim se levanta e diz: -  
pois agora você vai mostrar
se é macho ou não é,
vai passar atrás da cachoeira
e na gruta adentrar
e pegar qualquer coisa que achar
para provar que do desafio não vai arregar.
 
Nessa hora, começou o buchicho:
se eu fosse tu eu não ia,
enquanto o outro,
vai cara que eu quero ver.
De um pulo só se pôs a correr
para dentro da mata fechada
que só a Lua alumiava.
 
Foram passando as horas
e nada de Zezinho voltar
todos foram para casa
achando que o Zezinho tinha feito eles de besta
que estava em casa a dormir.
 
Pela manhã,
a mãe de Zezinho começou a procurá-lo,
mas ninguém conseguia encontrá-lo
Foi aí que souberam do acontecido
a mãe dele caiu em desespero
e passou a ameaçar todos os meninos.
 
Os homens do Vilarejo se juntaram
e em busca do menino saíram
se embrenharam na mata em direção a cachoeira
da entrada da gruta alguns não conseguiram passar
aqueles que iam avançando
vozes iam escutando
pedido de socorro de meninos e meninas
muito choro de criança,
mas nada encontravam
além de algumas roupas rasgadas.
 
De repente a gruta tremeu,
do céu, raios desceram em plena luz do Sol
no pino do meio-dia
e foi perna pra que te quero.
A água da Cachoeira cessou
e no Lago os homens mergulharam,
quando dele saíram  
uma voz potente
vindo de dentro da Gruta ecoou:
 
- ele agora é meu,
pois mentir é feio,
mas tentar tornar a mentira uma verdade
é pior ainda.
Vão e avisem que eu estou de prontidão
no alto das árvores, atrás das pedras
escutando toda a sorte de peripécias
e aquela que me alimentar
eu vou buscar.
 
Os homens assustados correram para casa
e a notícia foi espalhada.
 
Depois disso,
a mãe de Zezinho enlouqueceu
perdeu a Esperança
e de tanta dor pereceu
e todos que o conheceram
nunca o esqueceram
e os que fizeram o desafio
se arrependeram
e a partir daquele dia
cheio de magoas viveram.


Escrita por Maria Cláudia Costa